quinta-feira, 28 de outubro de 2010

O CASO DO IRMÃOS NAVES

Não é tão difícil escrever profecias ao modo de Nostradamus. A história humana segue um padrão notável de repetição dos acontecimentos, muitas vezes separados por décadas ou mesmo séculos. Claro que de modo não determinístico, ao contrário do que muitos gostariam. A humanidade tem o péssimo hábito de esquecer câmaras de gás e gulags. Assim, grandes líderes democratas e ditadores sanguinários chegam ao poder, em uma espécie de roleta russa política. Períodos áureos intercalados a eras de perseguição político-religiosa, fome e morte. No Brasil não seria diferente.

Em um passado não tão distante assim o tão amado "pai dos pobres" quebrou a política do café com leite, governando o país por dois períodos, sendo o primeiro período de aproximadamente 15 anos. Após o simulacro inicial de democracia iniciou-se o período explicitamente fascista e ditatorial, após a constituição polaca (1937). Aos poucos colocou-se no balcão a proposta de troca de direitos individuais pelo avanço do país, bem-estar geral e a melhoria da condição de vida de todos. Ninguém seria louco de ser contra, diria o senso comum reinante. E a velha receita de combate ao inimigo externo, sempre presente. No caso a ameaça do comunismo na figura de um bando de farrapos itinerantes que trocariam uma ditadura populista por outra de esquerda. O estado policial tupiniquim, chamado Estado Novo, estava de pé. E a primeira vítima dos ditadores é a liberdade. Não seria nem um pouco diferente com Getúlio Vargas, o grande caudilho brasileiro.

Caudilhos, figuras tão amadas na América Latina, ficam no poder enquanto podem. Fazem tudo para mantê-lo. Em algumas situações voltam nos braços da poderosíssima máquina de criação de mitos e mentiras que acabaram lobotomizando o povão. Faz parte da receita o pouco respeito a instituições democráticas, liberdade de imprensa, sistema jurídico independente, além dos direitos e liberdades fundamentais que começam a ruir, cedo ou tarde. Na impossibilidade de continuar no poder criam biombos, atrás dos quais buscam continuar seu jogo autoritário.

Nos anos 30 interventores e outras figuras de confiança do condottiere tropical sufocavam pouco a pouco a democracia. Os poderes legislativo e judiciário tornavam-se marionettes, através de pressão ou intervenção direta. Trocava-se o civil pelo militar. Era muito fácil tornar-se persona non-grata, era só discordar minimamente das diretivas doregime. Figuras políticas notáveis não alinhadas tornavam-se como Emmanuel Goldstein imediatamente. Pessoas de bem eram aliciadas, com medo do ostracismo ou do porrete da polícia. A cortina de fumaça do nacionalismo escondia a retirada de mais e mais direitos do cidadão.

Prisões sem embasamento jurídico, restringir o direito de ir e vir e a negação de habeas corpus são traços comuns a regimes autoritários. No Brasil o caso os irmãos Naves tornou-se notável por agrupar muitas características da arbitrariedade jurídica das ditaduras. Provas, ou a falta delas, de nada valeram perante o dono da verdade eleito pelo regime. Despoticamente os irmãos tornaram-se culpados, eventualmente até pela inaptidão dos policiais em resolver o caso. O importante era nomear um culpado qualquer, objetivando demonstrar a proficiência da equipe responsável, a qualquer preço. A justiça, além de sofrer pressões de todos os tipos e de ter sua legitimidade contestada, sofreu com a deturpação de todo o processo legal com provas forjadas e mudanças de testemunhos. O uso de violência física e psicológica extrema produziu resultados perenes nas condições físico-mentais dos envolvidos, escassamente contrabalanceados posteriormente.

A situação dos irmãos foi um simples reflexo do status quo político do Estado Novo. Certamente foi um caso emblemático de uma época, a luta obstinada por justiça irrestrita, quase inatingível. Não é uma coincidência que a reparação dos irmãos Naves tenha ocorrido após o fim do Estado Novo. Getúlio voltou ao poder nos ombros da malta, do populismo, mas com instituições fortalecidas. Queria a qualquer custo manter o poder, evitar que algum inimigo imaginário destruísse sua obra. O insucesso na manobra trouxe o resultado há muito conhecido.

A história certamente tende a ser cíclica. A ameaça comunista, verdadeira ou não, voltou nos anos 60 em mais um período triste da história brasileira. O muro de Berlin caiu e pouco mais de uma década depois um líder sindical chegou ao poder em um período com instituições fortes e representativas, após uma constituição feita com muito esmero. Aos poucos troca-se o civil pelo partidário. A Sturmabteilung sindical, juntamente àquela do campo, impede manifestos contra o guia. O estado gira em torno do grande líder e seu projeto de poder, em um admirável mundo novo nunca visto na história deste país. Déjà-vu?